A IMPORTÂNCIA DA PERÍCIA JUDICIAL COLEGIADA

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DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

Você já deve ter ouvido falar que no meio jurídico brasileiro existem inúmeras formas de apelação judicial, isto é, de recorrer às instâncias superiores para discutir determinados assuntos como liminares, sentenças, decisões, etc, podendo confirmá-las (manter) ou reformá-las (alterar). Isso ocorre porque o entendimento majoritário aceita e portanto aplica o princípio do duplo grau de jurisdição, isto é, toda ação judicial pode ser analisada por no mínimo 4 magistrados, em diferentes momentos, garantindo maior justiça ao cidadão.

O Princípio do Duplo Grau de Jurisdição estabelece a possibilidade de revisão, pela jurisdição superior e por meio de recurso, da decisão proferida pela jurisdição inferior.

(LIMA, 2004)

O duplo grau de jurisdição é aplicado porque entende-se que o Juiz, como qualquer ser humano, pode errar, portanto é dever do Estado garantir que a decisão final de um processo seja aplicada com a maior certeza possível, afastando erros, possíveis parcialidades e perseguições. Por isso mesmo que as duas análises e julgamentos ocorrem por pessoas, momentos, cidades e varas diferentes, sendo em primeira instância julgada por apenas um juiz e em segunda por um grupo de 3 desembargadores (nome atribuído aos juízes de segunda instância).

Todo cidadão tem o direito de ter sua reclamação julgada por um único juiz em primeira instância e, se for de interesse de uma das partes, recorrer a três desembargadores em segunda instância. Existe ainda a possibilidade de solicitar que a sentença aplicada em segunda instância seja reanalisada por outras instâncias, denominadas Tribunais Superiores, como o STF (Superior Tribunal Federal), STJ (Superior Tribunal de Justiça), TST (Tribunal Superior do Trabalho), entre outros, cada um especializado em determinados assuntos.

DECISÕES MONOCRÁTICAS E/OU COLEGIADAS

A palavra monocrático surge da união de duas outras palavras, “mono” que significa único e crático com sentido de poder. Assim podemos reduzir o conceito de monocracia como sendo “poder único” ou “o poder de um só”. Já a palavra colegiado advém do conceito de colegas, portanto “decisão entre colegas”. O termo jurídico “decisão colegiada” deriva do princípio da colegialidade e surge para demonstrar que a decisão final deva, pelo intuito maior “a justiça”, ocorrer do resultado das decisões de vários profissionais capacitados para tal julgamento, nesse caso dos juízes, portanto nunca de um somente.

Por “princípio da colegialidade” deve ser entendido que a manifestação dos Tribunais brasileiros, sempre de acordo com o modelo constitucional do processo civil, deve ser plural, isto é, colegiada, no sentido de não poder ser realizada por um só de seus membros isoladamente, unitariamente, monocraticamente.

(BUENO, 2014)

Decisões monocráticas são atos proferidos por um único juiz, geralmente de primeira instância. Apesar de serem despachados por um juiz devidamente togado (juiz oficial), são consideradas decisões frágeis, pois representa a decisão de uma única pessoa e pode ser reformada (modificada/alterada) pelo colegiado de outras instâncias.

Decisões colegiadas são atos proferidos por um colegiado, isto é, por um conjunto de magistrados sobre um mesmo assunto (processo). São consideradas decisões de peso, pois geram as conhecidas jurisprudências que embasarão outros processos, juízes e juristas em novas decisões. Apesar dos juízes serem livres para decidirem e expressarem suas decisões, existem regras que os conduzem a atingi-las, uma delas é pautando em decisões colegiadas, isto é, em jurisprudências.

A noção de órgão colegiado decorre da constatação de que a tomada de decisões em ambientes pluripessoais de natureza deliberativa resulta em atos presumidamente adequados, revestidos de maior legitimidade, porquanto fruto de debate e da contraposição de ideias, condições propícias para conclusões apropriadas.

(BORDALO, 2016)

PERÍCIA JUDICIAL COLEGIADA

Focando nos mesmos intuitos dos princípios do duplo grau de jurisprudência e colegialidade, tais como diminuir o erro humano, complementar competências, adicionar novas ideias e pareceres, enriquecer os trabalhos periciais, afastar parcialidade, perseguições e outros, torna-se fácil entender a importância de se desenvolver os trabalhos periciais através da elaboração de um laudo colegiado, isto é, engendrado por uma equipe técnico-científica competente para examinar, investigar, analisar e arrematar de forma conclusiva, a problemática que envolve o objeto da perícia.

Veja mais: http://periciajudicial.zsistemas.com.br/index.php/2019/10/15/o-perito-e-o-braco-direito-do-juiz-mas-nao-e-o-dono-da-verdade/

Resumindo o parágrafo anterior, a proposta é evitar a perícia judicial monocrática e implantar o conceito de uma perícia judicial com pluralidade de ideias, resolvendo assim alguns dos problemas que assolam a maioria dos Perito e, que serão melhores detalhados a seguir.

VOLATILIDADE NATURAL DAS PROVAS

Diferente do poder histórico dos procedimentos judiciais, muito bem definidos nos códigos de processos civil e penal, que determinam uma perfeita sequência petitória onde as peças iniciais, contestatórias, impugnatórias, interpelatórias, liminares, etc, possuem um efeito eternizante nos autos, no universo pericial ocorre o contrário. A eficiência dos procedimentos periciais que consiste basicamente em coleta, exame, análise e conclusão das provas está diretamente ligada ao lapso temporal da ocorrência, isto é, o ideal é que a prova seja periciada no exato instante em que o dano ocorre, evitando contaminação, manipulação, depreciação, distorção, entre outros fatores degradantes. Devido a tal impossibilidade é que a ciência elaborou métodos de pesquisas confiáveis para investigar o fato ocorrido, pautando-se na soma de indícios que estabeleçam nexo de causalidade e historicidade lógica, aproximando-se ao máximo da certeza científica na conclusão do laudo. Portanto é muito importante e vem justificar a colegialidade da perícia judicial, atentar-se ao fato da volatilidade natural dos objetos periciais, podendo contrair perdimento pelo lapso temporal, depreciação, transferência de titularidade, destruição acidental ou deliberada, contaminação, isto é, são inúmeras a formas de indisponibilidade do objeto da perícia. Um laudo pautado em pareceres de dois ou mais profissionais, aumenta a confiabilidade do Juiz na decisão e, caso a prova decaia em perdimento, a perícia deu-se pela visão de dois ou mais profissionais.

DA PREVISÃO LEGAL DA COLEGIALIDADE PERICIAL

O CPC/15 apresentou imensa evolução quanto às perícias judiciais em relação ao seu antecessor, prevendo em sua Seção X – Da Prova Pericial, inúmeros artigos regulamentando os trabalhos dos Julgadores e Peritos. O art. 465 orienta o Juiz a nomear um Perito especializado no objeto da perícia, deixando a cargo do magistrado a interpretação quanto ao entendimento contextual. Alguns magistrados entendem que o legislador quis sugerir ao julgador a nomeação de um profissional que tenha conhecimento do assunto. Outros entendem que a palavra “especializado” está ligada ao termo pós-graduação na modalidade especialização acadêmica. Resumidamente a interpretação é subjetiva e dependerá do entendimento do Douto Julgador.

Art. 465. O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo.

(BRASIL, CPC, 2015)

Bom independente da interpretação existem objetos periciais que dependem de mais de uma habilitação (atribuição ou especialidade), são conhecidos como objetos complexos, como um veículo automotor de última geração por exemplo, que possui partes mecânicas de competência do engenheiro mecânico, partes elétricas de competência do engenheiro eletricista e partes computacionais de competência do engenheiro de computação. Como definir um único Perito Judicial para comandar os procedimentos periciais? Alguns pensariam que a solução é simples, basta nomear o engenheiro mecânico que possui habilitação nas áreas da mecânica e parte da elétrica. Porém apesar de o engenheiro mecânico experimentar matérias da elétrica em seu curso, o enfoque da graduação é a mecânica, portanto é lógico dizer que o engenheiro mecânico seja especialista, no sentido do conhecimento, em mecânica e não em elétrica e computação. Assim nomeando um engenheiro mecânico o magistrado não satisfaz o art. 465/CPC/15. Outra solução seria a nomeação do engenheiro automotivo, pois esse sim possui todas as competências para periciar um automóvel, porém por motivos de desconhecimento dos procedimentos periciais, por desinteresse em atuar na área e principalmente pela escassez desse profissional no mercado, existe uma deficiência nos bancos de dados dos tribunais desse profissional. No final resta ao magistrado uma perícia complexa, sendo necessário a nomeação de 3 Peritos (perícia complexa) ou, um Perito contratar competência complementar de forma independente (complementação de competência), portanto realizando uma perícia colegiada.

O parágrafo quarto do artigo 464, também do CPC/15, determina especificamente que a arguição da produção de prova simplificada seja realizada por um Perito com formação acadêmica específica, isto é, esse profissional obrigatoriamente deve ser pós-graduado no objeto da perícia, podendo ser no mínimo especialista ou mestre.

Art. 465. O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo.

(BRASIL, CPC, 2015)

O artigo 475 do CPC/15 já deixa claro a necessidade de nomear mais de um Perito caso a perícia for considerada complexa, isto é, contenha duas ou mais áreas de conhecimento. Portanto é perceptível a preocupação do legislador com as habilitações de cada Perito e que a perícia seja realizada por profissionais especializados no(s) objeto(s) da perícia, fazendo alusão direta à perícia judicial colegiada.

Art. 475. Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito, e a parte, indicar mais de um assistente técnico.

(BRASIL, CPC, 2015)

VANTAGENS DA PERÍCIA JUDICIAL COLEGIADAS

As vantagens de uma perícia judicial colegiada são inúmeras, superando e justificando as desvantagens como será explanado no decorrer do artigo. Por isso vamos separar e explicar cada uma delas em parágrafos a seguir.

Pluralidade de ideias é uma das mais interessantes vantagens da perícia colegiada, significa que mais mentes pensando em um mesmo problema possui maior chance de chegar o mais próximo possível da solução ideal, com melhor custo/benefício, maior eficiência e qualidade do produto final.

Maior grau de imparcialidade é outra vantagem que permeia a colegialidade na perícia, pois é mais difícil dois ou mais Peritos serem “cooptados” por uma das partes do que um único.

Menor possibilidade de perseguição por parte do Perito. É possível que um Perito venha a se irritar por algum ataque de uma das partes e decida persegui-la com intuito de prejudicá-la nos laudos. Com a presença de mais Peritos nos autos, ocorrerá maior autofiscalização e diminuirá essa possibilidade.

Complementação de competência é um fator muito importante na perícia judicial, pois apesar da formação lato senso do Perito, cada profissional se especializa, no sentido de conhecimento, em determinado assunto, isto é, independente de pós-graduação o profissional acaba escolhendo seguir o caminho stricto senso de sua área de conhecimento. Uma ilustração seria o engenheiro mecânico que escolhe trabalhar apenas com motores, afastando-se das demais áreas como do sistema de suspensão por exemplo. No caso do Juiz nomear este engenheiro como Perito para analisar um veículo automotor e, o objeto da perícia permear entre motor e suspensão, é cabível que este contrate assistentes para complementar competências, isto é, contrate outro profissional que entenda melhor do sistema de suspensão.

Maior celeridade elaborativa do laudo é uma das vantagens, tanto na colegialidade complementar, onde um Perito complementa a competência do outro, quanto na paralela, onde os dois Peritos possuem mesma competência e trabalham na modalidade pluralidade de ideias. O laudo é composto de vários módulos que independem da interpretação dos Peritos, isto é, são de concordância mútua, como por exemplo os índices, sumários, bibliografia, conceituação, ferramentas utilizadas, metodologia, demonstração de competência, descritivo do local da perícia, etc. Estes módulos serão divididos entre os Peritos que resultarão em maior celeridade elaborativa.

Evitar a repetibilidade da perícia é um dos aspectos positivos do laudo colegiado. Apesar de ser um direito dos sujeitos processuais solicitar uma segunda perícia, em alguns casos torna-se impossível por perdimento do objeto pericial, dispendioso por ter o Perito que remontar a mesma cena pericial e deslocar equipes, equipamentos, ferramentas e objetos onerosos, etc. Tendo um laudo colegiado, elaborado por dois profissionais competentes que juntos apreciaram o objeto da perícia, tem-se uma melhor resposta do que uma posterior e secundária perícia indireta ou com demasiado lapso temporal.

DESVANTAGENS DA PERÍCIA JUDICIAL COLEGIADAS

O fator econômico é o principal motivo para o impedimento da perícia judicial colegiada, pois se um Perito apresenta onerabilidade excessiva, conforme quase unanimidade das partes, um colegiado seria simplesmente impensável.

REFERENCIA

BORDALO, Rodrigo. OS ÓRGÃOS COLEGIADOS NO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO. São Paulo: Saraiva, 2016.

BRASIL. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF, mar 2015.

BUENO, Cassio S. CURSO SISTEMATIZADO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL – Teoria geral do direito processual civil. 8 ed. São Paulo SP: Saraiva, 2014.

LIMA, Carolina A. S. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. 1 ed. Barueri, SP: Manole, 2004.