Usina prometeu realocar ribeirinhos em terreno 3.8 hectares, mas e a APP?

Entendendo a Complexidade da Realocação de Ribeirinhos e a Questão da Área de Preservação Permanente (APP)

Introdução

Em todo o território brasileiro, a construção de barragens e usinas hidrelétricas frequentemente exige a realocação de comunidades ribeirinhas, que por gerações viveram às margens de rios e represas. Esses processos, embora necessários ao desenvolvimento energético, trazem consigo desafios sociais, ambientais e jurídicos relevantes.
Entre os pontos mais sensíveis está a definição da área efetivamente entregue às famílias realocadas, especialmente quando parte do terreno está inserida em Área de Preservação Permanente (APP), o que pode restringir o uso e gerar disputas sobre o cumprimento dos acordos de realocação.
Neste artigo, apresento uma experiência prática de perícia judicial realizada na região da Emborcação, envolvendo a análise técnica e legal de um caso desse tipo. O objetivo é demonstrar como a perícia ambiental e topográfica atua na elucidação de controvérsias fundiárias e contratuais, garantindo que os direitos das partes sejam respeitados à luz da legislação ambiental e agrária.


Resumo

O presente artigo aborda a perícia judicial realizada em um processo de realocação de ribeirinhos na região da Emborcação, com foco na discussão sobre a inclusão da Área de Preservação Permanente (APP) dentro do terreno concedido.
A análise envolve aspectos técnicos — como o uso de GPS para medição georreferenciada — e aspectos jurídicos, à luz do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) e do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964).
Conclui-se que a correta delimitação da APP é fundamental para determinar se a empresa responsável cumpriu a promessa de entrega de 38.000 m² aos ribeirinhos, uma vez que a presença de área ambientalmente protegida reduz a metragem útil. O estudo evidencia a importância da perícia técnica na solução de litígios que envolvem direitos sociais, ambientais e contratuais.


A Perícia Judicial e o Contexto da Realocação

Como perito judicial e assistente técnico, tive a oportunidade de participar de uma perícia de natureza bastante peculiar, relacionada à realocação de ribeirinhos em decorrência da formação de uma usina hidrelétrica na região da Emborcação.
O caso apresenta múltiplas camadas de complexidade, especialmente no tocante à delimitação da Área de Preservação Permanente (APP), um tema sensível que exige análise técnica e jurídica minuciosa.

O engenheiro civil Thiago foi nomeado para conduzir a verificação pericial em uma chácara situada na mesma região, onde, há cerca de 18 anos, os ribeirinhos residentes foram realocados em virtude da inundação iminente da área original. Cada família recebeu um terreno de aproximadamente 38.000 metros quadrados, com fundo voltado para a represa — o que, à época, representava uma compensação territorial pela perda das moradias originais.


A Questão Central: A Área de Preservação Permanente (APP)

O cerne do litígio recai sobre a inclusão — ou não — da APP dentro desses 38.000 metros quadrados. Caso essa faixa de preservação esteja compreendida na metragem total, a área efetivamente utilizável pelos ribeirinhos seria reduzida, estimando-se algo em torno de 20.000 metros quadrados.

A alegação apresentada pelos moradores é de que a empresa responsável pela realocação prometeu a entrega de 38.000 metros quadrados de área útil, sem considerar a limitação imposta pela APP. Assim, o cumprimento da obrigação contratual estaria comprometido, configurando possível descumprimento do acordo original.


A Perícia e a Metodologia de Coleta de Dados

Com o objetivo de esclarecer os fatos, Thiago e eu realizamos vistoria in loco, procedendo à medição e coleta dos pontos de referência do terreno.
Devido à densa vegetação e ao relevo acidentado, optamos pela utilização de sistema de posicionamento global (GPS) para marcação das principais coordenadas e esquinas da propriedade.

Esses dados serão posteriormente processados e georreferenciados em mapa digital, o que permitirá calcular com precisão a área total, suas direções e metragens. Essa metodologia foi escolhida por oferecer maior confiabilidade técnica frente às limitações de medições convencionais em campo.

Com base nessas informações, será possível determinar se a área prometida de 38.000 m² realmente corresponde ao que foi entregue, com ou sem a inclusão da faixa de preservação permanente.


O Marco Legal e a Definição da APP

A legislação ambiental brasileira estabelece parâmetros rigorosos para delimitação das Áreas de Preservação Permanente. O tema é tratado principalmente na Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal), que define as APPs como espaços territoriais protegidos, cobertos ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade e o fluxo gênico de fauna e flora.

Entre os principais exemplos estão:

  • As faixas marginais de qualquer curso d’água natural, variando de 30 a 500 metros conforme a largura do rio;
  • As áreas no entorno de lagos, nascentes, encostas e topos de morro.

No contexto rural, também incidem restrições ao fracionamento de glebas, conforme determina a Lei nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra), que estabelece que terrenos rurais não podem ser inferiores a 2 hectares, salvo hipóteses legais específicas.

Esses dispositivos impactam diretamente na disponibilidade e no uso efetivo da área concedida aos ribeirinhos, sendo crucial a correta interpretação da legislação ambiental e agrária.


Como o Perito Deve se Comportar em uma Situação como Esta

Em casos que envolvem realocação de comunidades e questões ambientais sensíveis, o perito judicial deve adotar uma postura imparcial, técnica e humanizada. Sua atuação deve ser guiada pelos princípios da ética profissional, da boa-fé e da observância estrita das normas legais e processuais.

Primeiramente, é fundamental que o perito mantenha neutralidade absoluta, evitando qualquer tipo de aproximação emocional ou influência externa das partes envolvidas. O foco deve estar na busca objetiva da verdade técnica, garantindo que todas as medições, observações e registros sejam documentados de forma transparente e verificável.

Durante a perícia, o perito deve:

  • Respeitar o local e seus ocupantes, mantendo conduta cortês e empática, sobretudo quando lida com famílias em situação de vulnerabilidade social.
  • Explicar com clareza aos moradores o objetivo da perícia e as etapas do procedimento, sem criar expectativas quanto ao resultado.
  • Utilizar instrumentos adequados e calibrados, assegurando a precisão das medições e registros técnicos.
  • Registrar evidências fotográficas e geográficas de forma detalhada, garantindo rastreabilidade e autenticidade dos dados coletados.
  • Cumprir os prazos judiciais e elaborar laudo claro, fundamentado e acessível, permitindo que o juiz compreenda as conclusões sem necessidade de conhecimento técnico especializado.

Por fim, o perito deve lembrar que sua função não é decidir o litígio, mas fornecer elementos técnicos que permitam ao magistrado formar convicção justa e equilibrada. Em casos de forte impacto social e ambiental, sua postura ética e diligente pode ser determinante para assegurar a confiança do Poder Judiciário e das partes no resultado da perícia.

Conclusão

A perícia conduzida representa etapa essencial para a elucidação técnica e jurídica do caso.
A medição precisa da área — com identificação clara das porções inseridas em APP — permitirá determinar se a empresa responsável pela realocação cumpriu integralmente o compromisso assumido com os ribeirinhos.

Além disso, a análise da legislação ambiental e agrária vigente fornecerá os fundamentos necessários para avaliar a legitimidade da área entregue, bem como a extensão do direito de uso e ocupação por parte dos beneficiários.

À medida que avançarmos na análise dos dados geográficos e das normas aplicáveis, será possível apresentar um parecer técnico conclusivo, contribuindo para a resolução justa e equilibrada deste caso, que envolve tanto o direito à moradia e à compensação social quanto a imprescindível preservação do meio ambiente.

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