Como elaborar um laudo unilateral confirmável

Nem todo laudo unilateral é inválido, mas nem todos são válidos, entenda como tornar seu laudo extrajudicial em uma prova judicialmente apreciável.

Um dos grandes desafios da área técnica na atualidade é na elaboração de laudos técnicos confirmáveis, isto é, os laudos poder-se-ão unilaterais, porém metodologicamente confirmáveis. São aqueles laudos que seus descritivos procedimentais são completos, coesos e conexos, isto é, cada etapa é respeitada e registrada para posteridade, podendo assim o crítico repetir os passos e atingir o mesmo resultado ou aproximados, respeitando margens aceitáveis. Mesmo em equipamentos e componentes que sofreram completo perdimento, existem meios matemáticos e/ou computacionais de simulação e confirmação.

Desconhecimento técnico

Um dos primeiros obstáculos para a elaboração de um laudo técnico-científico confirmável está relacionado ao conhecimento dos profissionais. Muitos profissionais são competentes no tocante a habilitação por parte dos órgãos responsáveis, mas não possuem o conhecimento procedimental, isto é, como proceder da forma correta perante os princípios da ciência.

O laudo se trata de um relato do técnico-científico elaborado por especialista designado para avaliar determinada situação que estava dentro de seus conhecimentos. O laudo é a tradução das impressões captadas pelo técnico ou especialista, em torno do fato litigioso ou particular, por meio dos conhecimentos científicos de quem o examinou.

(RIBEIRO, 2012)

Um laudo não é um simples parecer técnico, não é apenas a expressão de um entendimento monocrático, não basta somente a opinião do especialista, em um laudo o profissional precisa convencer os outros especialistas de que sua pesquisa atingiu a veracidade do fato, pautando seu desenvolvimento em fatos, embasamentos técnico-científico, bibliografias, testes, cálculos, resultados estatísticos, indícios, entre outras provas palpáveis. Assim como o resultado de uma pós-graduação é um projeto científico que parte de um princípio, teoria ou prática reconhecida evoluindo-a, o laudo também deve seguir essa mesma filosofia, onde o Perito analisa o objeto pericial e desenvolve sua tese baseado em princípios, teorias ou práticas reconhecidas pelos profissionais daquela área. Encontrar profissionais que entendam essas diferenças não é muito fácil hoje em dia, portanto é muito comum se deparar com simples e resumidos pareceres técnicos intitulados de laudos técnicos ou laudos periciais e, por isso mesmo são facilmente derrubados em contestações ou impugnações judiciais.

É indispensável, a perfeita fundamentação do trabalho, para tanto o laudo deve ser embasado com, cálculos, fotos, desenhos, gráficos, plantas, registros, documentos e outras peças que o perito achar oportuno.

(RIBEIRO, 2012)

Normatividade

Muitos profissionais enunciam, não erroneamente, que não existem normas para elaboração de laudo pericial ou laudo judicial. Porém ao analisar a finalidade de um laudo técnico é perceptível que trata-se analogamente de um relatório técnico e/ou científico e, este último é normatizado pela ABNT em sua NBR 10719/2011, portanto importante seguir os preceitos normativos deste regulamento. Ademais o próprio CPC/2015 trouxe, em seu artigo 473, uma mínima normatização do que a justiça espera de um laudo pericial, portanto além de existir normativa técnica existe também normativa jurídica, mas muitos Peritos desconhecem. Então elaborar um laudo não é uma tarefa de total autonomia do Perito, existem regras a serem seguidas.

Metodologia

Uma das exigências tácitas de um laudo técnico, que é um relatório técnico-científico, é a apresentação da metodologia aplicada, isto é, os métodos utilizados para a realização de todos os procedimentos e etapas, tais quais de coleta, exame e análise de dados, pesquisas, desenvolvimento, entre outros. Fernando Ribeiro (2012) define o Perito judicial como “… um cientista que por intermédio de uma Metodologia técnica-científica normatizada, elabora laudos técnicos …”, isto é, o Perito é um profissional que utiliza-se da ciência e seus métodos para elaboração de seus laudos, fazendo questão de adicionar a palavra “normatizada” para delimitar a autonomia do especialista e evitar que o mesmo crie laudos monocráticos, utilizando apenas e unicamente seus conhecimentos adquiridos e/ou opinião.

O Perito judicial é um cientista que por intermédio de uma Metodologia técnica-científica normatizada, elabora laudos técnicos para fins jurídicos e particulares.

(RIBEIRO, 2012)

Outro fator muito importante que dever-se-á levando em consideração, são os princípios jurídicos da ampla defesa e contraditório. O laudo técnico deve conceder o direito de contestação aos envolvidos, inclusive contestação à metodologia procedimental. Como foi feito? De que forma? Quais foram os passos? Quais as ferramentas? São as mais indicadas para o caso? Utilizaram corretamente? Aquele procedimento é reconhecido pelos demais profissionais? Quando um laudo não descreve a metodologia, os métodos, os passos utilizados, as ferramentas, está subtraindo o direito de contestação procedimental dos envolvidos, portanto é naturalmente um documento unilateral, universalmente monocrático, autônomo, individual, obscuro, sem peso científico, portanto fadado à impugnação.

O próprio CPC/2015, em seu art. 473 e inciso III, que trata da normatização de laudo pericial, decreta a necessidade da metodologia na elaboração do laudo.

Art. 473. O laudo pericial deverá conter:

III – a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou;

(CPC/2015)

Fundamentação

Além da apresentação dos métodos utilizados na elaboração do laudo técnico-científico, outra ferramenta importante e obrigatória para afastar o subjetivismo, o achismo, a parcialidade e manter a historicidade da construção do conhecimento atualizada, é a fundamentação. Sem a fundamentação trata-se de um parecer, uma opinião. Com a fundamentação o laudo enriquece, pois absorve o conhecimento de outros profissionais, agregando maior peso à conclusão, tornando-se consequentemente referência bibliografia de outros especialistas. Portanto é item obrigatório de um laudo a fundamentação, apresentando citações, referências bibliográficas e/ou bibliografia de outros profissionais da área, confirmando suas afirmações e conclusões.

Por fim, conforme a NBR 10719/2011, CPC/2015, reforçado pelos Professores Maxwell Ferreira de Oliveira, da UGF de Catalão GO e Dr. Anael Krelling da IFSC de Santa Catarina PR, para um laudo ser confirmável e portanto considerado como prova confiável, necessita cobrir-se dos seguintes itens:

  1. Delimitação do tema;
  2. Delimitação do problema ou problematização;
  3. Delimitação dos objetos;
  4. Delimitação dos objetivos;
  5. Delimitação da escolha dos métodos de pesquisa;
  6. Delimitação dos métodos;
  7. Discriminação da coleta de dados;
  8. Discriminação do exame dos dados;
  9. Discriminação da análise e discussão dos dados
  10. Apresentação do relatório final;
  11. Apresentação da conclusão;

Sem prejuízo das etapas elencadas anteriormente, o laudo também deve apresentar-se munido das seguintes características:

  1. Elaborado em linguagem simples;
  2. Devidamente normatizado;
  3. Devidamente fundamentado;
  4. Metodologicamente pautado;
  5. Referenciado;
  6. Representado por profissional capacitado;
  7. Coeso;
  8. Conexo;
  9. Científico;
  10. Contestável;
  11. Confirmável;
  12. Conclusivo;

Exemplo da construção procedimental de um laudo confirmável

Para explicar melhor como elaborar um laudo confirmável portanto confiável, o Perito traz um exemplo prático. Todo equipamento possui um código único, conhecido como serial number (número de série). Se por exemplo uma TV for danificada e for necessário elaboração de um laudo técnico, o profissional precisa primeiramente coletar dados (descritivos, fotográficos, cinematográficos, etc) do equipamento no local, exatamente como fazem as equipes periciais. É preciso obter dados (provas) que garantam que aquela TV sempre esteve naquele local, que funcionava e que danificou-se no dia alegado. Fotografar a TV no local original, fotografar mais aproximadamente o número serial da TV, juntar fotografias antigas ou relatos de pessoas afirmando que ela sempre esteve no local, etc. Encaminhar para laboratório onde o mesmo processo fotográfico será realizado, comprovando ser a mesma TV coletada no momento pericial, escolher o método técnico-científico utilizado para a manutenção, geralmente o método laboratorial, fotografar todos os passos de abertura da TV, comprovando que aquelas peças interiores derivam do equipamento coletado. Da identificação do problema, escolher o método de filtragem técnico-científica mais apropriado para convergir ao mais próximo do problema, geralmente o hipotético-dedutivo, que conduzirá o profissional aos componentes mais prováveis onde iniciará os procedimentos de testagem, registrando também os resultados dos testes com fotografias para provar o dano. Da identificação do componente danificado, analisar o circuito a procura de demais componentes danificados por aproximação, os mais prováveis são os mais próximos. Da identificação e registro de todos os componentes ou peças danificados, inicia-se o processo de substituição, que engloba a remoção, preservação e instalação de novos componentes, tudo devidamente registrado. Ao final do processo de fechamento da TV é necessário sua testagem definitiva, para provar que a substituição foi bem-sucedida. Tendo todos esses passos registrados, parte-se para a elaboração do laudo técnico, escolhendo a normativa mais aproximada à situação, por exemplo a NBR 10719/2011, descrevendo todas as etapas, juntando as fotografias, resultados, etc, resultando em um laudo técnico-científico unilateral porém confirmável, repetível pelo menos em simulacro, com componentes danificados preservados para a repetibilidade e confirmação. Sem uma construção procedimental aproximada a essa, torna-se impossível a repetibilidade, a confirmabilidade e portanto impossível para qualquer Perito considerá-lo como base para uma construção lógica em suas análises.

Fonte:

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10719:2011 Informação e documentação – Relatório técnico e/ou científico: Referências. Rio de Janeiro, 11 p. 2011.

KRELLING, Anael. AS ETAPAS DA PESQUISA. Disponível em: <http://joinville.ifsc.edu.br/~anael.krelling/Bacharelado%20em%20Engenharia%20Mec%C3%A2nica/MPE/3%20-%20As%20Etapas%20da%20Pesquisa.pdf>. Acesso em: 10 Set. 2020.

OLIVEIRA, Maxwell Ferreira de. METODOLOGIA CIENTÍFICA: UM MANUAL PARA A REALIZAÇÃO DE PESQUISAS EM ADMINISTRAÇÃO. Catalão: UFG, 2011. 72 p.: il. Disponível em: <https://adm.catalao.ufg.br/up/567/o/Manual_de_metodologia_cientifica_-_Prof_Maxwell.pdf>. Acesso em: 10 Set. 2020.

RIBEIRO, Fernando. A PERÍCIA JUDICIAL. São Paulo: Clube de autores. 2012. 113 pg.